"Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra. 2 Timóteo 3:16-17"

quarta-feira, 21 de março de 2012

O primeiro culto protestante das Américas


Essa história meus livros dos tempos de escola não contaram; talvez por desinteresse, talvez por ignorância... Mas o episódio ficou registrado pela historiografia dos povos que interagiram com o desenvolvimento da história da nação brasileira. Pela importância documental, pela coragem de vir tão longe pregar o Evangelho, pelo testemunho de fé, por tudo que representa e pode representar para a fé protestante no Brasil, desejo, sinceramente, que este episódio nunca mais seja esquecido.


Como essa história começou


              O primeiro Culto protestante das Américas foi celebrado, muito provavelmente, no Brasil. Justo no país que ficou historicamente tão marcado pela influência de uma colonização católica-romana-jesuita.
              Em tempos remotos, poucas décadas após o controverso descobrimento destas terras conhecidas como Brasil, houve uma tentativa de se estabelecer uma pequena colônia francesa no Rio de Janeiro. Naquela época tanto os portugueses quanto os franceses constantemente visitavam a costa[1] estabelecendo contato com os “selvagens” locais para negociar, principalmente, a extração do pau-brasil.
              Esse projeto colonizador, também conhecido como a França Antártica, teve suas peculiaridades. O jovem aventureiro e vice-almirante francês Nicolas Durand de Villegaignon (1510 -1571), com o apoio do próprio rei da França Henrique II, aceitou o desafio de estabelecer uma colônia no Brasil chegando ao Rio de Janeiro em 1555. O nível moral e religioso da recém-estabelecida colônia era preocupante; Villegaignon decidiu “importar” franceses de boa índole para influenciar os que por aqui já haviam chegado.
              Villegaignon escreve uma carta[2] a um antigo conhecido, o reformador João Calvino, que envia 14 huguenotes (nome dado aos protestantes calvinistas na França) que chegam ao Brasil no dia 7 de março de 1557. No grupo destaca-se a presença de 2 pastores e a do o jovem Jean de Léry (na época com 22 anos) estudante de Teologia, que atuou como sapateiro na Colônia. Após o regresso dramático para a França Léry escreve a obra Histoire d’un voyage faict en la terre du Brésil publicado na Europa em 1578, que se tornou um livro de “viagens e aventuras de grande sucesso” no Velho Continente, rapidamente traduzido para o latim, alemão e holandês. No Brasil com o título Viagem à terra do Brasil, foi publicado em 1980 pela EdUSP. Esta é a principal obra que nos traz o relato dos protestantes (calvinistas) que perderam a vida em defesa da fé bíblica no Brasil Colonial. Nesta obra também estão registrados dois cantos tupis, que os historiadores consideram o documento escrito mais antigo da música ameríndia.



Calvinistas no Brasil Colonial parte I: O primeiro culto protestante

              Apesar de o termo “missionário” ainda não estar em voga no vocabulário evangélico do século XVI, talvez este tenha sido o primeiro movimento missionário em direção ao Novo Mundo. Motivados pela promessa de “fundar um puro serviço a Deus” esses homens estavam dispostos a cruzar o Oceano, convictos de que sua finalidade era “anunciar o Evangelho na América”[3].
              Acolhidos com receptivas palavras de Villegaignon, os calvinistas chegaram ao Brasil numa quarta-feira, dia 10 de março de 1557, e neste mesmo dia realizam um culto descrito por Léry como em conformidade com ritual das igrejas reformadas da França[4]. Na ocasião cataram o Salmo 5, e o pastor Pedro Richier, integrante do recém-chegado grupo, realizou a pregação com base no Salmo 27 “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida”. Não sabiam eles que haviam acabado de realizar “o primeiro culto protestante da história do Brasil e do Novo Mundo”.[5]



Calvinistas no Brasil Colonial parte II: A primeira celebração protestante da Ceia do Senhor

              Conforme nos informa Jean de Léry, o almirante Villegaignon não apenas consentiu que se realizassem orações públicas todas as noites após os trabalhos de edificação do Forte, mas também ordenou que os pastores pregassem duas vezes aos domingos, que os sacramentos fossem administrados de acordo com a pura Palavra de Deus, e que, se necessário fosse, se aplicasse a disciplina eclesiástica. Por isso, no dia 21 de março de 1557, pela primeira vez foi celebrada a Santa Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo (nos moldes da igreja protestante), em território brasileiro.




Calvinistas no Brasil Colonial parte III: Um testemunho que entrou pra história “A Confissão de Fé de Guanabara”


              Para justificar a condenação dos calvinistas por heresia, Villegaignon os forçou a responderem um questionário. Aprisionados, de posse de uma bíblia, e em algumas poucas horas, elaboram um documento que entrou pra história como uma das mais antigas e emocionantes confissões de fé cristã.
              O documento “A Confissão de Fé de Guanabara” foi escrito em Latim com tinta feita de pau-brasil e é composto de 17 artigos enfaticamente iniciados, em grande parte, com a expressão “Cremos...”. Tais artigos podem ser divididos nos seguintes temas: (1-4) Trindade e a pessoa de Cristo; (5-9) Ceia e Batismo; (10) o livre-arbítrio; (11, 12) a autoridade dos ministros para perdoar pecados e impor as mãos; (13-15) casamento, divórcio e castidade; (16, 17) intercessão dos santos e oração pelos mortos.[6]
              Alguns pequenos detalhes nos chamam a atenção na elaboração deste documento: 1) Jean Du Bourdel, que foi o redator, apesar do conhecimento do latim, não possuía uma formação formal em teologia; era leigo. 2) O pouco tempo que tiveram para produzir o texto (aproximadamente 12 horas). 3) Pouco recursso disponível – uma bíblia –, e a situação totalmente adversa: a prisão, a pouca luminosidade e a pressão de saber que aquele documento representaria – talvez – a própria sentença de morte. 4) A familiaridade com os Pais da Igreja; são citados Agostinho, Tertuliano, Ambrósio e Cipriano. 5) A solidez teológica do documento que se harmoniza com as principais confissões da fé bíblico-reformada.

Calvinistas no Brasil Colonial parte IV: Os primeiros mártires protestantes da história do Brasil


              O almirante Villegaignon logo foi visto como um fingido, que inicialmente demonstrava piedade e disposição para acolher com ternura paternal os calvinistas, mas logo submeteu os visitantes a um cotidiano de trabalhos forçados e condições de difícil sobrevivência. E, repentinamente, todo o fervor pela fé reformada se converteu em perseguição religiosa com radicais discordâncias, principalmente, acerca do sacramento da Santa Ceia; o almirante passou a, enfaticamente, advogar em favor dos dogmas do catolicismo romano, exigindo uma retratação dos calvinistas.
              Para o almirante, Cristo estava fisicamente presente na Ceia, era necessário adicionar água no vinho da Ceia, e sal na água do batismo. Calvino e seus seguidores foram declarados hereges.
              Para tentar escapar da crescente perseguição os protestantes franceses fugiram do Forte e tomaram uma embarcação rumo a França. A superlotação do modesto navio quase provoca um naufrágio ainda na costa do Rio de Janeiro, e, temerosos, 5 huguenotes (Pierre Bourdon, Jean Du Bourdel, Matthieu Verneuil, André la Fon e Jacques Le Balleur) resolvem não seguir viagem. Encontrados por Villegaignon, são aprisionados para serem executados como hereges, mas antes lhes foi exigido declarar sua fé por escrito.
              Na obra Los Mártires de Guanabara. Barcelona: CLIE, 1979 de John Gillies, encontramos uma das descrições mais emocionantes do martírio destes irmãos em Cristo:
           A situação, após a retirada dos encarcerados da prisão, se tornou mais tensa; não sabiam para onde estavam sendo dirigidos, contudo tinham certeza de não estarem em caminho da casa do almirante, pois passaram reto ante a porta frontal e seguiam caminhando sobre as rochas rumo ao cume nordeste da ilha.
           Estavam todos cientes de que haviam arriscado suas próprias vidas ao terem escrito aquela confissão, mas pensavam que o máximo que poderia ter acontecido era terem sido lançados ao cárcere por algumas semanas, e, no piro dos casos, o exílio; o que era destino comum àqueles que estivessem em desacordo com o almirante.
           A ordem de ficarem em silêncio não foi plenamente obedecida, ao invés disso, Bourdel começou a cantar, uma paráfrase do salmo 100. Logo em seguida o almirante Villegaignon questionou Jean Du Bourdel se ainda permanecia firme em suas idéias, este, porém, parecia mais firme que nunca e exortava-os a que permanecêssemos firmes e inabaláveis e a que reconhecessem que no Senhor todo labor não seria em vão.
            A uma ordem alguns grandes sacos foram colocados à disposição dos algozes, sacos estes que o próprio La Fon havia costurado. Bourdel foi, de cima para baixo, ensacado e amarrado à cintura, conduzido até a ponta do rochedo, e, com um forte empurrão, arremessado ao mar; caiu em água. O golpe do corpo na água foi possível de ser ouvido de cima do cume, onde estavam os outro que certamente teriam o mesmo destino.

              Deste pequeno grupo que resolveu não seguir viagem três (Pierre Bourdon, Jean Du Bourdel e Matthieu Verneuil) foram executados sob as ordens do tirano almirante.



Escrito por Rev. Adenauer Lima
Postado por Adilson Marcos



[1] É sabido que os franceses se faziam presentes na costa brasileira desde 1504; de forma dispersa e desorganizada contrabandeavam principalmente madeira (Vd. RODRIGUES, José H. História da História do Brasil: 1ª parte: Historiografia Colonial. 2ª Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 38). Tais incursões geraram dois grandes frutos: 1) O estabelecimento de Forte Frances no Rio de Janeiro por volta de 1555; 2) A fundação da cidade de São Luís do Maranhão em 1612. Em ambos os casos a presença francesa foi rechaçada pelos colonizadores portugueses.
[2] Para informes documentais mais precisos, consultar o artigo do Dr. Francisco L. Schalkwijk, O Brasil na Correspondência de Calvino in: Fides Reformata, IX, n° 01, 2004.
[3] LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil in: Coleção Reconquista do Brasil, (Belo Horizonte: Itatiaia & Edusp, 1980). p. 56.
[4] LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil in: Coleção Reconquista do Brasil, (Belo Horizonte: Itatiaia & Edusp, 1980). p. 86.
[5] Alderi Souza de Matos no texto de apresentação da obra A tragédia de Guanabara de Jean Crespin, p. 11.
[6] Cf. Alderi Souza de Matos no texto de apresentação da obra A tragédia de Guanabara de Jean Crespin, publicado pela Editora Cultura Cristã em 2007. Nesta obra é possível encontra o texto integral da “Confissão de Fé de Guanabara”.

Um comentário:

  1. Adilson,

    muito bom o texto.

    Em época de cristãos edonistas, que buscam apenas o seu prazer, ler o testemunho de irmãos que sacrificaram suas vidas por amor a Cristo é inspirador. Sigamos o exemplo deles, e de muitos que, em nosso tempo, são vítimas dos nossos inimigos, sejam islâmicos ou comunistas [sim, há mártires cristãos hoje nos países islâmicos e comunistas, muitos perdendo bens, família e a própria vida pelo Evangelho de Cristo].

    Como já tenho autorização prévia, republicarei-o no "Guerra pela Verdade".

    Grande abraço!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir

Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; Efesios 1:11